Nelson Mandela nunca abandonou a fé cristã e perdoou seus opressores, após liderar seu povo na busca por igualdade
O clima durante a revisão dos rascunhos do livro “Longo Caminho para a Liberdade” é amistoso, mas tenso. Principalmente por parte de Ahmed Kathrada, cuja função é apontar dúvidas e não entendimentos ao reverenciado líder.
“Página 62: ‘Ele teve certa angústia ao abandonar a fé cristã, que havia fortificado sua infância, como Pedro negando Cristo três vezes.’.” Mesmo mulçumano, Kathrada sabe a força que a afirmação possui. Por isso sua voz é cautelosa ao questionar. “É correto dizer que você abandonou a fé cristã?”
“Não, não!”
A firmeza da resposta de Mandela alivia Kathrada e lhe dá forças para prosseguir: “Seria errado, não?”
“Eu digo que é absolutamente incorreto! Nunca abandonei a fé cristã!”
Diante de uma multidão em êxtase, Nelson Mandela fala com a mesma firmeza de 32 anos atrás, quando foi preso.
“Nosso maior medo é sermos poderosos, além do que podemos imaginar.”
Ao contrário da maior parte dos líderes políticos que entraram para a história, o poder de Mandela não está na opressão, mas na paz. Não se lerá no futuro uma única linha sobre injustiças causadas por ele. Em seu lugar, o perdão será ressaltado.
Rolihlahla Madiba Mandela, rebatizado Nelson aos 7 anos por professores, quando se tornou o primeiro da família a ir para a escola, nasceu em um vilarejo do bantustão Transkei, em 1918. “Bantustão” foi o nome das prisões rurais destinadas aos não brancos pelo Governo da África do Sul. Nos bantustões, que correspondiam a 13% das terras nacionais, todos os negros, mestiços e estrangeiros não brancos deveriam permanecer. Para sair, era necessário um passaporte. E esse visto só seria concedido a quem fosse servir a minoria branca que detinha exclusividade sobre os direitos políticos e econômicos.
Conhecendo a origem de Mandela e sua luta, é possível ver o quanto suas palavras são verdadeiras.
“É a nossa luz, não nossa escuridão, que mais nos assusta.”
Aos 16 anos de idade, enquanto cursava o primeiro ano na faculdade de direito, Mandela se envolveu na luta estudantil e foi expulso da universidade. Formou-se em outra instituição, mas a academia nunca mais teria tanta força em sua vida quanto a política.
“Apartheid” é como ficou conhecida a política racista praticada na África do Sul desde o início do século passado e oficializada em 1948, após eleições onde apenas brancos votaram. Negros não tinham direitos. Eram excluídos para certas áreas isoladas e proibidos até mesmo de efetivar casamentos entre diferentes etnias.
“Nós nos perguntamos: ‘Quem sou eu para ser brilhante, lindo, talentoso, fabuloso?’ Na verdade, quem é você para não ser? Você é um filho de Deus!”
Junto com Walter Sisulu e Oliver Tambo, Mandela fundou a Liga Jovem dentro Congresso Nacional Africano, partido político negro criado em 1912. Ali, sua luta se intensificou.
A política de resistência pacífica levou milhares de não brancos às ruas. Foram anos de protestos, passeatas, greves e discursos visando a igualdade. Como Mandela sempre ressaltou, “nunca foi aceito o multirracionalismo. A exigência sempre foi a sociedade não racial. O multirracionalismo multiplica raças. Não é uma questão de cores, mas de ideias”.
Ideias essas que se tornaram perigosas. Em 1960, a polícia conteve uma manifestação com tiros. Foram 180 feridos e 69 mortos. Isso levou o homem pacífico a optar pela guerrilha.
Já consolidado um dos líderes da causa, Mandela se retirou do país para treinar táticas de guerrilha. Estudioso constante, leu diversos livros sobre o tema e se reuniu com pessoas que tinham o que lhe ensinar. Aprendeu, inclusive, a atirar.
Não teve tempo para entrar no campo de batalha que se formava na África do Sul. Em 1962, foi preso sob a alegação de deixar o país sem passaporte e incentivar greves. A pena recebida, de 5 anos, foi dura. Mas não tanto quanto a recebida 2 anos depois.
Em 1964, Nelson Mandela foi condenado à prisão perpétua por sabotagem contra alvos militares (ato confessado) e por auxiliar uma invasão de outros países à África do Sul (ato negado).
“Todos nós fomos feitos para brilhar, como as crianças brilham. Nós nascemos para manifestar a glória de Deus dentro de nós. Isso não ocorre somente em alguns de nós, mas em todos.”
Mandela e outros líderes negros foram presos para que a supremacia branca fosse mantida, mas o efeito foi contrário. Durante os 27 anos que passou encarcerado, ele se tornou símbolo da luta antiapartheid.
Sua inteligência permitiu que liderasse grupos negros, mesmo estando preso, mas não o livrou dos destratos e do isolamento. Perdeu sua liberdade justamente ao lutar por ela.
O apoio, inclusive internacional, foi tanto que, em 1990, o então presidente Frederik de Klerk libertou Mandela e aboliu a apartheid, transformando o país em uma democracia.
Em 1993, de Klerk e Mandela dividiram o Prêmio Nobel da Paz. Um ano após terem seus esforços reconhecidos, os dois dividiram o palco novamente.
A posse de Nelson Mandela como presidente, com de Frederik de Klerk como vice, mostra que ele verdadeiramente acreditou que não existem raças. Perdoou aqueles que o privaram da própria vida e levou seu país adiante, unindo pessoas que queriam o bem da África do Sul.
O perdão não é um processo fácil, mas uma decisão sábia. Beber o veneno do rancor não derrota seus adversários. Mandela sofreu muito, mas soube pisar em toda a desigualdade para construiu um país igualitário.
Diante da multidão em êxtase por ter elegido seu primeiro presidente negro, Mandela fala com a mesma firmeza de 32 anos atrás, mas com ainda mais propriedade.
“Quando nós nos libertarmos do nosso próprio medo, nossa presença, automaticamente, libertará outros.”
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