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sexta-feira, 21 de junho de 2013

Nós nascemos para manifestar a glória de Deus dentro de nós"

Nelson Mandela nunca abandonou a fé cristã e perdoou seus opressores, após liderar seu povo na busca por igualdade


O clima durante a revisão dos rascunhos do livro “Longo Caminho para a Liberdade” é amistoso, mas tenso. Principalmente por parte de Ahmed Kathrada, cuja função é apontar dúvidas e não entendimentos ao reverenciado líder.
“Página 62: ‘Ele teve certa angústia ao abandonar a fé cristã, que havia fortificado sua infância, como Pedro negando Cristo três vezes.’.” Mesmo mulçumano, Kathrada sabe a força que a afirmação possui. Por isso sua voz é cautelosa ao questionar. “É correto dizer que você abandonou a fé cristã?”
“Não, não!”
A firmeza da resposta de Mandela alivia Kathrada e lhe dá forças para prosseguir: “Seria errado, não?”
“Eu digo que é absolutamente incorreto! Nunca abandonei a fé cristã!”
“Nosso maior medo não é sermos inadequados.”
Diante de uma multidão em êxtase, Nelson Mandela fala com a mesma firmeza de 32 anos atrás, quando foi preso.
“Nosso maior medo é sermos poderosos, além do que podemos imaginar.”
Ao contrário da maior parte dos líderes políticos que entraram para a história, o poder de Mandela não está na opressão, mas na paz. Não se lerá no futuro uma única linha sobre injustiças causadas por ele. Em seu lugar, o perdão será ressaltado.
Rolihlahla Madiba Mandela, rebatizado Nelson aos 7 anos por professores, quando se tornou o primeiro da família a ir para a escola, nasceu em um vilarejo do bantustão Transkei, em 1918. “Bantustão” foi o nome das prisões rurais destinadas aos não brancos pelo Governo da África do Sul. Nos bantustões, que correspondiam a 13% das terras nacionais, todos os negros, mestiços e estrangeiros não brancos deveriam permanecer. Para sair, era necessário um passaporte. E esse visto só seria concedido a quem fosse servir a minoria branca que detinha exclusividade sobre os direitos políticos e econômicos.
Conhecendo a origem de Mandela e sua luta, é possível ver o quanto suas palavras são verdadeiras.
“É a nossa luz, não nossa escuridão, que mais nos assusta.”
Aos 16 anos de idade, enquanto cursava o primeiro ano na faculdade de direito, Mandela se envolveu na luta estudantil e foi expulso da universidade. Formou-se em outra instituição, mas a academia nunca mais teria tanta força em sua vida quanto a política.
“Apartheid” é como ficou conhecida a política racista praticada na África do Sul desde o início do século passado e oficializada em 1948, após eleições onde apenas brancos votaram. Negros não tinham direitos. Eram excluídos para certas áreas isoladas e proibidos até mesmo de efetivar casamentos entre diferentes etnias.
“Nós nos perguntamos: ‘Quem sou eu para ser brilhante, lindo, talentoso, fabuloso?’ Na verdade, quem é você para não ser? Você é um filho de Deus!”
Junto com Walter Sisulu e Oliver Tambo, Mandela fundou a Liga Jovem dentro Congresso Nacional Africano, partido político negro criado em 1912. Ali, sua luta se intensificou.
A política de resistência pacífica levou milhares de não brancos às ruas. Foram anos de protestos, passeatas, greves e discursos visando a igualdade. Como Mandela sempre ressaltou, “nunca foi aceito o multirracionalismo. A exigência sempre foi a sociedade não racial. O multirracionalismo multiplica raças. Não é uma questão de cores, mas de ideias”.
Ideias essas que se tornaram perigosas. Em 1960, a polícia conteve uma manifestação com tiros. Foram 180 feridos e 69 mortos. Isso levou o homem pacífico a optar pela guerrilha.
“Você, pensando pequeno, não ajuda o mundo. Não há nenhuma bondade em você se diminuir, recuar para que os outros não se sintam inseguros ao seu redor.”
Já consolidado um dos líderes da causa, Mandela se retirou do país para treinar táticas de guerrilha. Estudioso constante, leu diversos livros sobre o tema e se reuniu com pessoas que tinham o que lhe ensinar. Aprendeu, inclusive, a atirar.
Não teve tempo para entrar no campo de batalha que se formava na África do Sul. Em 1962, foi preso sob a alegação de deixar o país sem passaporte e incentivar greves. A pena recebida, de 5 anos, foi dura. Mas não tanto quanto a recebida 2 anos depois.
Em 1964, Nelson Mandela foi condenado à prisão perpétua por sabotagem contra alvos militares (ato confessado) e por auxiliar uma invasão de outros países à África do Sul (ato negado).
“Todos nós fomos feitos para brilhar, como as crianças brilham. Nós nascemos para manifestar a glória de Deus dentro de nós. Isso não ocorre somente em alguns de nós, mas em todos.”
Mandela e outros líderes negros foram presos para que a supremacia branca fosse mantida, mas o efeito foi contrário. Durante os 27 anos que passou encarcerado, ele se tornou símbolo da luta antiapartheid.
Sua inteligência permitiu que liderasse grupos negros, mesmo estando preso, mas não o livrou dos destratos e do isolamento. Perdeu sua liberdade justamente ao lutar por ela.
O apoio, inclusive internacional, foi tanto que, em 1990, o então presidente Frederik de Klerk libertou Mandela e aboliu a apartheid, transformando o país em uma democracia.
Em 1993, de Klerk e Mandela dividiram o Prêmio Nobel da Paz. Um ano após terem seus esforços reconhecidos, os dois dividiram o palco novamente.
“Enquanto permitimos que nossa luz brilhe, nós, inconscientemente, damos permissão a outros para fazerem o mesmo.”
A posse de Nelson Mandela como presidente, com de Frederik de Klerk como vice, mostra que ele verdadeiramente acreditou que não existem raças. Perdoou aqueles que o privaram da própria vida e levou seu país adiante, unindo pessoas que queriam o bem da África do Sul.
O perdão não é um processo fácil, mas uma decisão sábia. Beber o veneno do rancor não derrota seus adversários. Mandela sofreu muito, mas soube pisar em toda a desigualdade para construiu um país igualitário.
Diante da multidão em êxtase por ter elegido seu primeiro presidente negro, Mandela fala com a mesma firmeza de 32 anos atrás, mas com ainda mais propriedade.
“Quando nós nos libertarmos do nosso próprio medo, nossa presença, automaticamente, libertará outros.”

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